Como estudiosa do Direito
sempre aparece alguém com a famosa pergunta "Oi, você é formada em
"advocacia"" né, posso tirar uma dúvida?".
Bem, não sou formada
em "advocacia", lembrando que advogado é bacharel em direito que é
aprovado no exame da ordem e exerce a nobre profissão, o que não é o meu caso,
mas ficaria feliz em poder ajuda-lo caso saiba a resposta.
E uma das dúvidas que
sempre surge é sobre Impenhorabilidade do Bem de Família, motivo pelo qual
resolvi fazer este post, o qual dedico aos Corretores de Imóveis, Bacharéis em
Direito, Advogados, Concurseiros e Empresários do Ramo Imobiliário.
Muitas pessoas acham
que a casa jamais poderá ser penhorada. Será se existem exceções? Seguem as
dúvidas mais corriqueiras:
1 - O que é “bem de família
voluntário” e o que é “bem de família legal”?
O
bem de família VOLUNTÁRIO, previsto
nos artigos 1.711 e seguintes do Código Civil, é aquele instituído por ato de
vontade do casal (casado ou em união estável) ou por ato de terceiro e
registrado no Registro de Imóveis (art. 167, I, 1, da Lei de Registros Públicos).
Para instituir o bem de família voluntário na forma do Código Civil deve-se
lavrar um instrumento constituindo aquele imóvel como bem de família e levar o
registro ao cartório de imóveis. Exige, pois: manifestação de vontade e
registro.
O
bem de família LEGAL é aquele
regulado pela Lei nº 8.009/90, a qual resguarda o bem de família de todos,
independentemente de registro cartorário, consagrando uma impenhorabilidade
legal independentemente da constituição formal e do registro do bem de família.
O objetivo é proteger o imóvel por dívidas futuras, tornando o imóvel blindado
pela impenhorabilidade legal.
2 - Qual é o alcance do bem de família
LEGAL?
Conforme
o art. 1º da Lei 8009/90, “o imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta
lei.” No parágrafo único, diz ainda que
“a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção,
as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos,
inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que
quitados.” Portanto, todo imóvel, na forma desta lei, está protegido. A
proteção é ampla. Envolve o imóvel, plantações, benfeitorias, equipamentos,
bens móveis.
3 - Qual é a hermenêutica do STJ em
relação ao parágrafo único do art. 1º da Lei 8009/90?
A
proteção atinge vários bens; é ampla. Contudo, em mais de um julgado,
interpretando o alcance do bem de família legal, o imóvel, em algumas
hipóteses, pode ser desmembrado para efeito de penhora. Isso é limitar o
alcance da norma. O STJ, em mais de uma oportunidade (REsp 206.693/SC, REsp
510.643/DF, REsp 501.122/RS) tem admitido o desmembramento do imóvel para
efeito de penhora.
4 - Quais são os bens móveis excluídos
da proteção da Lei 8009/90?
Segundo
o art. 2º da Lei 8009/90, excluem-se da impenhorabilidade os veículos de
transporte, obras de arte e adornos suntuosos. No caso de imóvel locado, a
impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência
e que sejam de propriedade do locatário. Exemplos, na jurisprudência brasileira
e doutrina, de bens móveis protegidos pela Lei 8.009: Freezer, máquina de
lavar, máquina de secar, computador, televisão, ar-condicionado. No REsp
218.882/SP o STJ entendeu que a proteção se estende a instrumento musical
(teclado): “A música é essencial em uma sociedade marcadamente violenta como a
nossa. E não seria um simples teclado que iria reequilibrar as finanças do
banco. O teclado fica.”
5 - Vaga de garagem é protegida pela
Lei 8009/90?
O
STJ já consolidou que vaga de garagem com matrícula e registro próprios é
penhorável (agravo regimental do agravo 1.058.070). A garagem, se tiver
registro separado, vai ser penhorada. Se estiver conjugada com a área privativa
do apartamento, está protegida. A questão é investigar se há matrícula e
registros separados ou não para efeito de penhora. Segundo o STJ: “Está consolidado nesta corte,
o entendimento de que a vaga de garagem desde que com matrícula e registro
próprios pode ser objeto de constrição não se lhe aplicando a impenhorabilidade
da lei 8009/90.”
6- Quais são as exceções à
impenhorabilidade do bem de família legal?
As
exceções são aquelas trazidas pelo art. 3º da Lei 8009/90. Doutrinariamente,
entende-se que essas exceções, que são de ordem pública, devem ser aplicadas
também ao bem de família voluntário, sob pena de se abrir uma grande brecha
para fraudes no direito brasileiro:
“Art. 3º A
impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:”
“I - em razão
dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias;” OBS.: Ficou
assentado no REsp 644.733/SC, no que tange à interpretação do inciso I, do art.
3º, que trabalhadores ou empregados eventuais, como pedreiro, eletricista ou
pintor não estão abrangidos pela exceção legal. O inciso I refere-se a
empregados que tem permanência. Trabalhadores meramente eventuais, não estão
abrangidos pela exceção legal.
“II - pelo
titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à
aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função
do respectivo contrato;” Se o agente
financeiro financiou a construção ou a aquisição de usa casa própria não dá
para opor contra ele um bem de família.
“III -- pelo
credor de pensão alimentícia;” Não
haverá proteção contra bem de família se o processo foi movido pelo credor de
pensão alimentícia. A esposa ingressou com execução, o apartamento do ex-marido
devedor pode ser penhorado.
“IV - para
cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em
função do imóvel familiar;”
É o caso do processo movido para cobrança de
impostos (predial ou territorial), taxas e contribuições devidas em função do
imóvel. Esse inciso IV se baseou no conceito de tributo (imposto, taxa e
contribuição) e diz que não há proteção do bem de família se o processo foi
movido para pagamento de imposto devido em função do imóvel (IPTU, ITR, etc.).
A exceção da lei refere-se à cobrança de tributos vinculados ao imóvel.
OBS.: O Supremo Tribunal Federal já firmou
entendimento, seguido pelo STJ, no sentido de que a cobrança de taxa de condomínio resulta também na penhora do imóvel
(RE 439.003/SP). Condomínio não é tributo, mas o STF deu uma interpretação
extensiva pelo fundamento de política social.
Eros Grau em RE: “A relação condominial é tipicamente relação de comunhão de escopo. O pagamento
de contribuição condominial, obrigação propter rem, é essencial à conservação
da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar à
dignidade da pessoa humana. Não há razão para, no caso, cogitar-se de
impenhorabilidade.”
Ou seja, se não pagou a taxa de condomínio,
penhora o imóvel.
“V - para
execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou
pela entidade familiar;”
Então, se o casal ou entidade familiar,
voluntariamente foi ao Bradesco pactuar um contrato de empréstimo,
voluntariamente hipotecou o imóvel. Não pode vir, depois, dizer que se trata de
bem de família. Isso viola o princípio do venire
contra factum proprium. Na literalidade da norma, se o casal vai ao banco e
hipoteca voluntariamente o apartamento não podem depois, contraditoriamente a
isso, invocar a proteção do bem de família.
OBS.:
O STJ, por outro lado, como se lê no agravo regimental REsp 813.546/DF, tem
entendido que a simples indicação do bem à penhora não implica renúncia ao benefício
da lei 8009/90. Está flexibilizando. Se o devedor numa execução indicou à
penhora a casa dele, ele pode, depois, em embargos, desdizer o que disse antes.
Parece ferimento ao venire, mas o STJ
vem entendendo que é uma simples indicação de bem. Mas se vc hipotecou, é mais
difícil porque a lei é muito clara.
“VI - por
ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória
a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.”
Portanto, os efeitos civis da sentença penal
condenatória podem atingir a sua casa.
“VII - por
obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
Este
é o inciso mais polêmico. Fiador em contrato locatício não tem bem de família
no Brasil. Carlos Veloso disse que esse inciso é inconstitucional. Mesmo que
ele renuncie o benefício de ordem, cabe ação de regresso, mas ele não é o
devedor principal. O Supremo Tribunal Federal, por seu plenário, já afirmou ser
constitucional a penhora do imóvel residencial do fiador na locação (RE
352.940-4/SP).
A
Súmula 364, do STJ, firmou entendimento no sentido de que a proteção do bem de
família alcança, inclusive, devedores solteiros, separados e viúvos.” Ou seja,
a pessoa que vive só também goza da proteção do direito de família. Há ementa
de um recurso do STJ que trata disso: “A
interpretação da lei 8.009/93 revela que a norma não se limita ao resguardo da
família. Seu propósito é proteger o direito fundamental da pessoa humana. Não
faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o
mais doloroso dos sentimentos, a solidão. É impenhorável o imóvel que reside
sozinho o devedor celibatário.”
7 - Quais os efeitos que decorrem da
inscrição no cartório de imóveis do bem de família VOLUNTÁRIO?
Os
efeitos são: impenhorabilidade e inalienabilidade. A partir do momento que os
instituidores registram o bem de família voluntário, ele se torna inalienável e
impenhorável. Perde-se a liberdade de vendê-lo ou doa-lo como antes. Para fazer
isso, é necessária a observância a certas formalidades, haja vista que existe
uma restrição para preservar a finalidade do bem de família.
A
inalienabilidade está prevista no art. 1.717, do Código Civil: “Art. 1.717. O prédio e os valores
mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do
previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados
e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.” Portanto, para
vender o bem de família, tem que colher a manifestação de todos os
interessados, não só da vontade do vendedor, mas também do seu cônjuge e, se
houver incapazes, há intervenção do MP. Para poder vender, é preciso cancelar o
registro do bem de família. “Registrado o
bem de família voluntário, ele se torna impenhorável por dívidas futuras, com
as ressalvas do art. 1.715.” Instituído o imóvel como bem de família
voluntário, ele passa a ser impenhorável por dívidas futuras (é a proteção
maior), mas há exceções: “Art. 1.715. O
bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição,
salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de
condomínio. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste
artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família,
ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos
relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.” A
impenhorabilidade que deriva da instituição do bem de família voluntário, como
se vê, não é absoluta.
8 - Quais são as características
especiais do bem de família VOLUNTÁRIO?
O
novo Código Civil trouxe duas grandes inovações no tratamento do bem de família
voluntário.
Nos
termos dos artigos 1.711 e 1.712, no novo Código Civil, o bem de família
voluntário tem duas características especiais:
a)
O bem de família não poderá ultrapassar o teto de 1/3 do patrimônio líquido dos
instituidores.
b)
O bem de família poderá abranger valores mobiliários (inclusive rendas).